Jurisdição é uma função exercida por um terceiro imparcial chamado a solucionar um conflito e aplicar o Direito a um caso concreto. É importante destacar que o Judiciário é o ente estatal responsável por exercer a jurisdição, tendo prerrogativas especiais de autonomia funcional e independência jurídica e política para realizar essa função, razão pela qual não pode se negar a resolver um conflito quando chamado (nenhuma lesão à direito pode ser excluído da apreciação do Poder Judiciário, art. 5º, XXXV, CF/88). 

Em outras palavras, mesmo sendo um órgão estatal, o Judiciário é independente, não serve ao Estado, sendo competente, portanto, para julgar com imparcialidade uma causa de um indivíduo contra o próprio Estado. Formalmente, a maneira de separar o juiz do Estado é justamente atribuindo-lhe competência para julgar as ações dos outros poderes, como uma função especializada dentro das funções do Estado (garantindo ao juiz uma série de ferramentas para o exercício independente de sua função).

A jurisdição exerce subsidiariamente o poder Executivo (art. 99, § 1º, Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias, e art. 96, da Constituição Federal) e Legislativo (na elaboração dos seus regimentos internos, conforme prevê o art. 96, I, a, da Constituição). 

São características da jurisdição a inércia (não há procedimento de ofício), a imparcialidade e o poder de decidir, de forma final, sobre as questões que chegam perante o Judiciário. Quando adquire eficácia de coisa julgada, um ato jurisdicional se torna "imutável e indiscutível", mas mesmo antes disso todos os seus atos estão imunes à revisão por órgãos não judiciários. Trata-se de uma diferença em relação à arbitragem, por exemplo, porque é possível reclamar a nulidade de sentença arbitral perante a autoridade judiciária, mas o contrário não.

 

1. Espécies de jurisdição

A jurisdição é uma atividade unitária e universal (conforme o princípio da unidade da jurisdição), comportando apenas classificações (como penal ou civil, comum ou especial), mas não separações. Fora a Justiça Militar, que não exerce a jurisdição civil, e a Justiça do Trabalho, que não exerce a penal, os demais órgãos judiciários comportam a jurisdição civil e penal. Podem se separar em justiça comum e especial apenas em razão da competência da jurisdição; enquanto a última é determinada taxativamente pela lei, a primeira atua justamente por exclusão.

Há ainda diferenciação hierárquica entre os órgãos judiciários e de natureza entre justiça contenciosa e voluntária. Alguns doutrinadores citam que a diferença entre essas últimas é o fato de a jurisdição voluntária não dispor de um processo em que há direito de ação, mas mero procedimento administrativo, e que tal justiça não pode ser chamada de "jurisdição". Araken de Assis rejeita essa diferenciação, entendendo que a diferença entre elas se dá pela matéria, não pelas características da causa, tanto porque há a "palavra final" do judiciário, o que caracteriza a jurisdição¹.

Na jurisdição voluntária não há coisa julgada, e ela versa sobre os seguintes assuntos e se regula de acordo com o que dispõe o CPC:

Art. 719. Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção.
Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial.
Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o Ministério Público, nos casos do art. 178 , para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse.
Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna. Art. 724. Da sentença caberá apelação.
Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de:
I - emancipação;
II - sub-rogação;
III - alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos;
IV - alienação, locação e administração da coisa comum;
V - alienação de quinhão em coisa comum;
VI - extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória;
VII - expedição de alvará judicial;
VIII - homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se, no que couber, aos procedimentos regulados nas seções seguintes.

Na jurisdição voluntária, os interessados se dirigem ao judiciário para que este funcione como um órgão "homologador" de seus interesses, enquanto na contenciosa a jurisdição é provocada para resolver o litígio (a lide).

 

2. Processo coletivo

O CPC não traz nenhum título específico para disciplinar o processo coletivo, mas ele é caracterizado independentemente do objeto, sendo necessário apenas ter, em seu polo ativo ou passivo, um grupo. Cabe ao legislador disciplinar mais especificamente acerca do processo coletivo, mas, atualmente, da forma prescrita, mesmo direitos individuais podem ser tutelados coletivamente.

 

3. Princípios da jurisdição

O primeiro princípio da jurisdição é a territorialidade, o qual define a competência do juiz apenas em seu território (comarca), mas o CPC dispõe algumas exceções:

Art. 60. Se o imóvel se achar situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel.
Art. 255. Nas comarcas contíguas de fácil comunicação e nas que se situem na mesma região metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notificações, penhoras e quaisquer outros atos executivos.

Além disso, o Código também prevê a comunicação à distância, buscando utilizar a tecnologia para dar celeridade ao processo:

Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.
§ 3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 453. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:
§ 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento.

 

Importante mencionar que a territorialidade não se confunde com o local em que as decisões serão cumpridas. Elas serão cumpridas onde tiverem de ser, independentemente da Comarca.

O segundo princípio é o da indelegabilidade, o qual prescreve que o órgão jurisdicional não pode delegar funções a outro sujeito. Caso isso ocorra, ferir-se-á gravemente o princípio do juiz natural. Quando o CPC prescreve eventual delegação, nota-se, não o faz como se possibilitasse a delegação para outros órgãos, v.g.:

Art. 929. Os autos serão registrados no protocolo do tribunal no dia de sua entrada, cabendo à secretaria ordená-los, com imediata distribuição.
Parágrafo único. A critério do tribunal, os serviços de protocolo poderão ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau.
Art. 972. Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator poderá delegar a competência ao órgão que proferiu a decisão rescindenda, fixando prazo de 1 (um) a 3 (três) meses para a devolução dos autos.

Em regra, atos judiciais não decisórios ou administrativos comportam delegação, mas atos decisórios não. Pode-se citar também o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF e art. 3º do CPC), já mencionado no último texto. Já o princípio do juiz natural é uma garantia contra juízos de exceção, ad hoc ou ex post facto. Para finalizar, seguem as palavras de Ferrajoli, para quem tal garantia corresponde à “[...] necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído post factum, a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais”².

 


Notas e referências

¹ ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro, volume I [livro eletrônico]: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 404.

²  FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 543.