Breves considerações e roteiro da audiência de conciliação

A conciliação e a mediação fazem parte das formas alternativas de resolução de conflitos, em conjunto com a arbitragem. A diferença é que as primeiras são pacíficas, dependentes de autocomposição e a segunda depende da heterocomposição, resolvida por um terceiro, o árbitro. O Código de Processo Civil valoriza a utilização das formas alternativas e consensuais de resolução de conflitos, incentivando-as no artigo 3º, in verbis,

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

  • 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
  • 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
  • 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Em linhas gerais a autocomposição pode se subdividir em três, conforme quadro resumo abaixo:

 

AUTOCOMPOSIÇÃO

Transação

Submissão

Renúncia

Ocorre nas concessões mútuas.

Submissão voluntária a pretensão do outro.

Submissão em juízo - reconhecimento da procedência do pedido: renúncia do réu em favor do autor.

 

O objetivo desses métodos faz parte do projeto/princípio de acesso à justiça, sendo que existem duas modalidades: 

  1. Judicial (art. 334, CPC): transacionará quando as partes já ingressaram no judiciário e pode ser proposta a qualquer tempo. O acordo é homologado pelo juiz na forma judicial.
  2. Extrajudicial: é a que se dá por meio de contrato, que a rigor a lei designa como transação. Os sujeitos de uma obrigação em litígio se conciliam mediante concessões de lado a lado. Nascendo esse acordo, será consumado por escrito (termo de acordo), com a assinatura dos outrora litigantes e com a presença de duas testemunhas. E, para que tenha força de um acordo judicial, o referido termo poderá ser levado à apreciação do Poder Judiciário para que seja homologado por um juiz (do CEJUSC), sendo chamado de transação (art. 840 a 850, CC). Por último, também será um título executivo extrajudicial. 

Na via judicial a audiência de conciliação, para não ocorrer, depende da negativa de ambas as partes

 

Os conciliadores

O conciliador é pessoa da sociedade que atua de forma voluntária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações, constituindo verdadeiro elo entre as partes.

Ademais, sua finalidade é levar as partes a um entendimento (consenso) através da identificação do problema e possíveis soluções. Ele pode interferir nas questões, mas não decide o conflito, somente pode fazer sugestões com a decisão cabendo às partes. A técnica consiste: (i) identificação do problema; (ii) reformulação (dar novo olhar ao problema) focando no conflito e não nas pessoas; (iii) concentrar-se no interesse das partes; (iv) busca de opções e ganhos mútuos. 

Os princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores são :

  1. Confidencialidade: o dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes;
  2. Decisão informada: dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto;
  3. Competência: dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial;
  4. Imparcialidade: neutralidade;
  5. Independência e autonomia: o objetivo da independência é evitar pressões no exercício da conciliação e mediação, já a autonomia confere às partes a decisão sobre as vantagens e restrições do acordo;
  6. Respeito à ordem pública e às leis vigentes: eventual acordo entre os envolvidos não pode violar a ordem pública, tampouco contrariar as leis vigentes;
  7. Empoderamento: dever de estimular os interessados a aprenderem a resolverem seus conflitos;
  8. Validação: dever de estímulo.

 

Conciliação e mediação: aspectos diferenciadores

Em síntese, o conciliador tem uma postura mais propositiva direcionada para disputas de cunho objetivo em que não haja, preferencialmente, um vínculo anterior entre as partes. O foco do conciliador, portanto, é a resolução amigável dessa disputa, contemplando-se os interesses das partes e as possibilidades concretas de acordo

Já o mediador busca facilitar o diálogo para a melhor compreensão dos anseios de cada uma das partes, estimulando-as a encontrar soluções de satisfação e benefícios mútuos, que sejam sustentáveis no tempo. As principais funções do mediador são as de interpretar os interesses das partes e de melhorar a comunicação entre elas, mas sem intervir no conflito. Exemplos comuns são conflitos de família, de vizinhança, societários, comunitários, entre outros. O acordo pode ser uma consequência desse processo. 

Comparando esses dois meios, percebemos porquê a conciliação é mais difundida, por exemplo, na Justiça Federal, do que a mediação. Isso ocorre porque as disputas de competência desse órgão advêm de conflitos essencialmente objetivos e com frequência travados entre a União, entidades autárquicas, empresas públicas e cidadãos.  

Por fim, tendo como objetivo auxiliar na diferenciação entre os métodos autocompositivos, foi elaborado outro quadro resumo com as principais diferenciações: 

 

CONCILIADOR (3º neutro)

MEDIADOR (3º neutro)
Lei nº 13.140/15

Tem participação mais ativa (incisiva) no processo de negociação.

Auxilia as partes a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Atua preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes.

Atua preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior, entre as partes. Ex.: conflitos familiares.

Pode sugerir soluções para o litígio.

Não propõe soluções para os litigantes.

 

 

Dos Centros Judiciários de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs)

A Resolução nº 125 do CNJ criou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) e o objetivo principal é de realizar as sessões de conciliação e mediação do tribunal. Oportuno ressaltar que todas as conciliação e mediação pré-processuais são de responsabilidade do centro, pois ainda não foram distribuídas para as varas. O centro é dividido em três setores, sendo:

  1. Pré-Processual: que, obrigatoriamente, deverá receber causas cíveis e de família;
  2. Processual; e
  3. Cidadania: onde poderão ser disponibilizados serviços de orientação e encaminhamento ao cidadão (confecção de documentos, psicologia e assistência social). Ademais, pode haver no CEJUSC serviços decorrentes de convênios (Prefeitura, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, PROCON, INSS e instituto para realização de exames de DNA. Trazemos os seguintes exemplos:
  • Projeto Mediar é Divino - projeto idealizado pelo TJ-GO, lançado em 2015, visa difundir a cultura do diálogo e do fortalecimento dos métodos alternativos de solução de conflitos, em especial a mediação, no âmbito das entidades religiosas. O objetivo principal é utilizar os religiosos, em razão de sua relação de confiança com seus fiéis, como instrumento de pacificação social. O Tribunal capacita os líderes religiosos (pastores, presidentes, conselheiros espirituais, padres), que normalmente possuem o perfil de mediador em seus templos religiosos, em técnicas adequadas de resolução de conflitos. O projeto ganhou repercussão nacional e internacional e foi adotado em outros Estados brasileiros, como o DF, PR e RS. Vários segmentos religiosos já aderiram ao projeto. Depois de capacitados, o próximo passo é instalar em ambientes religiosos, uma igreja ou em um terreiro de umbanda, um espaço para a conciliação, conforme os moldes do CNJ, com auxílio e fiscalização do tribunal. 

 

  • Lei do Superendividamento e a mediação - As inovações trazidas pela Lei do Superendividamento tecem linhas especiais de proteção aos indivíduos em situação de superendividamento, sem o estigma da falha pessoal, da culpa, e da exclusão por não ter condições de incluir-se na sociedade de consumo, afasta a “punição” pelo “abuso” do crédito ou sua exclusão completa do acesso ao consumo, em uma espécie de “morte civil”.  A atualização do Código de Defesa do Consumidor traz uma visão mais humanista e inclusiva do sujeito superendividado e a sua prevenção, além disso visa a inclusão dos métodos autocompositivos (conciliação e mediação) a fim de negociar em único plano (várias dívidas com devedores diferentes) de pagamento de dívidas, em condições que não comprometerão a sobrevivência da pessoa que perdeu a capacidade de honrar com seus compromissos financeiros ou da família - um recomeço e inclusão na sociedade do consumo.

 

  • Projeto paternidade para todos - projeto vinculado ao CEJUSC do TJMG que permite a realização de exames de DNA, nas ações investigatórias e negatórias de paternidade e maternidade, nos casos em que as partes sejam beneficiárias da Assistência Judiciária Gratuita. Projeto desenvolvido juntamente com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.Para participar do projeto não precisa de advogado, nem de um processo judicial, basta a vontade das partes, fazendo com que a solução seja mais ágil do que quando buscada por meio de um processo.

 

Do rito: linhas gerais

 

  • Abertura: as partes e seus representantes se apresentam, identificando os papéis de cada um dos envolvidos. Aqui o conciliador explica as diferenças entre juiz e conciliador, bem como o procedimento e os efeitos de um acordo;

 

  • Investigação inicial do conflito: aqui o conciliador pede para que as partes relatem o caso sob a sua perspectiva. O conciliador pode propor uma agenda com os principais assuntos a serem discutidos na sessão;
  • Desenvolvimento: iniciada a discussão sobre possíveis propostas. O papel do conciliador é informar às partes de fatos ou dados cuja avaliação competirá a estas, e não ao terceiro. Também é interessante que o terceiro estimule as partes a refletirem sobre as opções colocadas, questionando sobre qual seria o melhor ou pior cenário caso não se chegue a um acordo. 

 

 

  • Redação do termo e encerramento: criadas, discutidas e avaliadas as opções, as partes podem chegar a um consenso sobre algumas, todas ou nenhuma das questões debatidas. É redigido o acordo, formalizado em um termo (teor, prazos fixados, implicações, forma de pagamento ou seja, tudo que foi acordado) a ser homologado pelo juiz coordenador do centro ou programa judicial de conciliação. O termo costuma ser redigido pelo conciliador ou servidor ou estagiário, sob orientação do terceiro que conduziu a sessão. Após homologado, possui a mesma força vinculante de uma sentença, podendo ser executado judicialmente pela parte em caso de descumprimento total ou parcial. Trazemos abaixo um checklist para minuta do termo de acordo:

 

CHECKLIST DOS ELEMENTOS DO TERMO DE ACORDO

Número do processo/reclamação pré-processual

Nome das partes

Nome dos advogados, prepostos e/ou representantes legais

Identificação resumida do conflito

Resumo da proposta ou indicação da folha do processo em que consta a proposta

Obrigações assumidas por cada uma das partes, incluindo condições para o cumprimento (prazos, valores, locais para pagamento etc.)

Data e local

Assinatura dos presentes

 

Exemplo de termo de audiência em que a conciliação foi exitosa (JEC):



Exemplo de termo de audiência de conciliação inexitosa (JEC):




Para uma análise detalhada do rito: 

TAKAHASHI, Bruno et al. Manual de Mediação e Conciliação na Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2019. 179 p. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp~;-content/uploads/2015/06/8829ffab027c9ec79db95b8b13126d49.pdf. Acesso em: 03 dez. 2021.



Referências

PEIXOTO, Ravi. Os "princípios" da Mediação e da Conciliação: uma análise da Res. 125/2010 do CNJ, do CPC/2015 e da Lei 13.140/2015. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al (org.). Justiça multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 90-107.

TAKAHASHI, Bruno et al. Manual de Mediação e Conciliação na Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2019. 179 p. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/8829ffab027c9ec79db95b8b13126d49.pdf. Acesso em: 03 dez. 2021.